MAUVEÍNA, UM CORANTE ARTIFICIAL
DE UM GIN TÓNICO E PESQUISA ACIDENTAL, À SÍNTESE INDUSTRIAL E PRESERVAÇÃO NATURAL
A descoberta da síntese de um corante sintético, em 1856, recriada na exposição “Da Luz e da Matéria”, no edifício do Laboratório Chimico do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, resultou de uma circunstância acidental, relacionada com… um gin tónico! E uma verdadeira história e encruzilhada de Ciências.
No século XIX, o exército britânico na Índia consumia gin tónico, considerado medicinal: as milícias bebiam água tónica amarga ao amanhecer e os oficiais à noite, com limão e muito gin. O sabor amargo provinha da quinina, o único antimalárico na época, extraído da casca da quineira, espécie Cinchona officinalis, arbusto ou pequena árvore da família Rubiaceae, originária da América do Sul – e que custava uma fortuna!
E se, em vez de extrair o composto da árvore, fosse possível obter em laboratório? Foi precisamente o que o inglês William H. Perkin, que aos 15 anos tinha começado a estudar no Royal College of Chemistry (Londres), tentou no seu laboratório, em casa. Sendo assistente de August Wilhelm Hofmann, sabia que o seu mentor, especialista mundial em alcatrão de hulha (cuja destilação produzia uma variedade de produtos químicos, incluindo o ingrediente-chave para tingir de amarelo as sedas francesas), suspeitava que as substâncias químicas presentes no alcatrão do carvão poderiam produzir o precioso antimalárico, a quinina (C20H24N2O2). O primeiro passo seria oxidar a aliltoluidina (C10H13N, um derivado da anilina - C6H5NH2), para obter a quinina, mas Perkin só conseguiu um precipitado escuro, gorduroso; substituiu a aliltoluidina por sulfato de anilina, repetiu a oxidação, que de novo originou um precipitado escuro.
No entanto, ao lavar com etanol os resíduos do novo precipitado, foi surpreendido com o aparecimento de uma solução de cor púrpura, profunda e consistente, de uma bonita coloração vermelha! Repetiu a mesma reação e condições e obteve novamente o corante, ao qual designou púrpura de tiro, em referência à antiga púrpura, de Tiro (Líbano) - extraída das secreções mucosas da glândula hipobranquial e conchas de moluscos gastrópodes marinhos do género Murex (Murex brandaris e Murex trunculus, hoje conhecidos por Haustellum brandaris e Hexaplex trunculus, respetivamente). Posteriormente, os franceses designaram o corante por mauve, a cor das flores das malvas e de algumas orquídeas.
O jovem químico não obteve a quinina sintética (conseguida após 470 anos de pesquisas), mas a sua experiência, aos 17 anos, na Páscoa de 23 de março de 1856, teve efeitos a vários níveis.
Perkin conseguia o primeiro corante sintético púrpura, mauveína ou púrpura de anilina, de enorme importância para as indústrias têxtil, química e farmacêutica, e uma das cores mais difíceis de obter naturalmente, quer pela quantidade imensa de produto a extrair de molusco gastrópodes do género Murex (mais de 80 para tingir um metro de tecido e 9000 moluscos para produzir um grama de púrpura), quer pela raridade e atributos do corante. Este caraterizava-se por uma tonalidade mistura de vermelho e púrpura, cuja intensidade aumentava com o tempo, e não desbotava - ao contrário, tornava-se gradualmente mais brilhante e intensa com a exposição solar! Originou-se uma mudança inesperada na sociedade, onde apenas as classes ricas podiam usar cores (razão pela qual era associada à realeza), por poderem pagar esse privilégio, que deixou de pertencer à nobreza, e algo que era raro e caro ficou acessível ao cidadão comum. Além disso e de enorme relevância, preservaram-se as espécies de gastrópodes marinhos do género Murex, entretanto ameaçados de extinção.
Perkin patenteou o novo corante e abriu uma fábrica de tinta em Greenford (Londres). Em 1906 recebeu o título de Sir e morreu em 1907, de causa desconhecida.
Só em 1994 foi possível clarificar a estrutura química da mauveína, utilizando técnicas modernas de purificação e de análise estrutural.